terça-feira, 17 de janeiro de 2017

É SUICIDA OU CRENTE, OS DOIS NÃO... DÁ?!

Graça e paz do Senhor a todos os irmãos!

Envolvi-me recentemente numa discussão em um grupo a respeito do suicídio cristão (quando um eleito regenerado tira a própria vida) e decidi escrever a respeito. Muito se questiona sobre a possibilidade de um filho de Deus se matar. Este artigo não intenciona dirimir todas as dúvidas e problemas éticos envolvidos na discussão, mas tomar o exemplo de um caso específico da Escritura e analisar as implicações deste para o enriquecimento do debate a respeito do assunto.

Antes de mais nada, um alerta: SUICÍDIO É PECADO! Atenta deliberada e ilicitamente contra a vida humana, o que incorre no erro proibido no sexto mandamento (Ex 20.13). Por suicídio, entendo "o ato voluntário e intencional de matar a si mesmo" (VÁRIOS AUTORES, 2004, p. 9). Não estou defendendo ou mesmo justificando tal prática, apenas esclarecendo um problema decorrente dela. Tendo elucidado sobre isto, podemos prosseguir.

Temos, pelo menos, um caso registrado nas Escrituras que pode ser considerado suicídio e que, ainda sim, a pessoa que o cometeu foi para o Céu (obviamente, não por causa disto). Aliás, não apenas suicida, mas genocida também, afinal, ele foi responsável pela extinção quase completa de uma etnia: os filisteus. Sim, falo de Sansão. Lembremos de como fora sua morte:

"Abraçou-se, pois, Sansão com as duas colunas do meio, em que se sustinha a casa, e fez força sobre elas, com a mão direita em uma e com a esquerda na outra. E DISSE: MORRA EU COM OS FILISTEUS. E inclinou-se com força, e a casa caiu sobre os príncipes e sobre todo o povo que nela estava; e foram mais os que matou na sua morte do que os que matara na sua vida" (Jz 16.30, destaque meu).

Não, você não leu errado... SANSÃO DESEJOU MORRER JUNTO COM SEUS INIMIGOS! Você pode dar outros nomes para isso, mas o fato é que ele não declarou: "ó Deus! elimine estes incircuncisos" ou "livra-me desta angústia", mas "morra eu COM os filisteus"... Em nenhum momento Sansão pede para ser liberto da escravidão filisteia, mas apenas que Deus lhe conceda força para se vingar de seus inimigos (que também eram inimigos de Deus) por ao menos um de seus olhos, MATANDO-SE junto com eles (Jz 16.28). Não é o propósito deste texto apontar os elementos messiânicos envolvidos na vida dos Juízes de Israel, nem fazer um retrato biográfico de cada um deles ou do próprio Sansão (no caso deste, recomendo o excelente artigo do Dr. Daniel Santos Jr., disponível AQUI), mas destacar o momento de sua morte e a declaração feita por ele. Um homem desesperado que só enxergou uma única saída viável para a vergonha e  a humilhação que lhe foram impostas pelos inimigos de seu povo: dar cabo de sua própria vida, dando fim ao seu sofrimento e, ainda, vingando-se de seus inimigos. REPARE: ninguém obrigou Sansão a fazer o que fez, razão pela qual entendo tratar-se de um suicídio (ainda que a motivação dele fora possivelmente cumprir a missão de eliminar os inimigos de Israel, i.e. cumprir sua missão como libertador da nação - Jz 13.4-5 -, ele o fez às custas de sua própria vida. Os fins não justificam os meios).

Mas tu me perguntarás: "COMO SABES QUE SANSÃO ERA UM ELEITO?" A famosa lista dos "heróis da fé" em Hebreus 11 responde:

"E que mais direi? Certamente, me faltará o tempo necessário para referir o que há a respeito de Gideão,  de Baraque,  de SANSÃO,  de Jefté,  de Davi,  de Samuel  e dos profetas [...]. Ora, TODOS ESTES que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior  a nosso respeito, PARA QUE ELES, sem nós, não fossem aperfeiçoados" (Hb 11.32, 39-40, destaque meu).

Quem está aguardando, junto com outros eleitos mortos, no lar celestial para ser aperfeiçoado conosco? Isto mesmo, SANSÃO, o suicida genocida crente. Isto não significa obviamente que todo eleito regenerado tem uma justificativa para o suicídio ou para o genocídio (a respeito do esclarecimento sobre se este último, de fato, deve ser considerado pecado tratando-se de Israel e seus juízes, recomendo uma série de excelentes artigos escritos por um irmão e amigo, Ev. Luciano Sena, disponível AQUI), mas também deixa claro que O SUICÍDIO NÃO É O PECADO IMPERDOÁVEL! (Cf. Mt 12.31-32). Acrescento ainda que, embora não tenham consumado o ato em si (como Sansão), a Bíblia registra outros casos de servos de Deus que desejaram a morte diante de um sofrimento agudo (p.ex. Elias - 1 Re 19.4).

Talvez a maior dificuldade das pessoas em aceitar esse fato seja por causa do pecado não confessado, i.e., se Sansão se matou, como poderia ter ido para o descanso eterno sem confessar este último erro?

Para responder essa pergunta precisamos, primeiro, lembrar que a confissão NÃO PAGA pecados, mas o sacrifício único e insubstituível de Cristo na cruz (Cl 2.13-14; Hb 9.28; 10.11-18). Logo, se alguém foi regenerado pelo Espírito Santo, recebeu os benefícios da morte expiatória de Cristo de uma vez por todas e nada poderá separá-lo do amor de Deus (Rm 8.31-39; 1 Jo 2.1-2). E isto também se aplica aos crentes da Antiga Aliança, como Sansão. Por que, então, pedir perdão? O Apóstolo do Amor reponde:

"Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz,  MANTEMOS COMUNHÃO UNS COM OS OUTROS e o sangue de Jesus, seu Filho,  nos purifica de todo pecado. Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. SE CONFESSARMOS OS NOSSOS PECADOS,  ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós (1 Jo 1.7-10, destaques meus).

A confissão de pecados não é para quitação de débitos com Deus, mas para a manutenção da comunhão com ele e outros irmãos. Uma ilustração pode ajudar a esclarecer: sou casado. Eu e minha esposa estamos sob pacto vitalício. Nós somos fiéis um ao outro e temos um compromisso a honrar um com o outro. Quando brigo com ela, não descumpro os meus votos (eu não saio de casa, nem digo que me separei), mas ficamos com a COMUNHÃO entre nós dilacerada. Apesar de continuarmos casados, enquanto não pedir perdão a ela por causa da briga, ficamos com a comunhão interrompida. Na relação com Deus acontece algo parecido...

As promessas feitas aos seus filhos por ele são irrevogáveis (At 16.31; Tt 1.2). Logo, quando pecamos, devemos confessar a Deus não porque perdemos a salvação com esse erro (não houve "divórcio" entre nós e Deus), mas porque nossa COMUNHÃO com ele e com os demais irmãos fica interrompida. O pacto permanece para sempre. A comunhão, todavia, pode ser obliterada temporariamente (não total, nem finalmente) por causa dos pecados cometidos.

Agora, portanto, podemos responder a questão: "se Sansão se matou, como poderia ter ido para o descanso eterno sem confessar este último erro?" Da mesma forma que qualquer eleito irá: pela graça e misericórdia de seu Salvador, não por suas boas obras (Ef 2.8-9). Se um cristão genuíno se suicida num momento de desespero ou opressão extrema (como foi, de fato, o caso de Sansão) ele comete um último pecado contra seu Pai Celeste, mas não teve a aliança com ele finalizada por causa desse erro. A mesma continua, pois é irrevogável, embora a comunhão tenha sido temporariamente perdida (por o quê... alguns segundos?). O fato de sermos eleitos regenerados não nos isenta de cometermos até mesmo pecados graves antes do suspiro final (lembremos de Davi e de tantos outros exemplos).

Sendo assim, não condene ao inferno pessoas que se suicidaram, nem aumente a dor daqueles que perderam entes queridos dessa forma. Claro, também não diga que todo suicida cristão indubitavelmente estará no lar celestial (até porque mesmo nos casos de óbitos de outra natureza, você não teria essa certeza). Apenas ore pelos enlutados e aproveite a oportunidade para consolá-los com a esperança da ressurreição para aqueles que descansam no Senhor (no caso de cristãos - 1 Ts 4.18; Ap 14.13) ou confrontar-lhes em amor (no caso de incrédulos) com a dura realidade do pecado e da morte e a única escapatória do Juízo Final: O arrependimento e a fé em Jesus (Mc 1.15). E se conheces alguém que esteja desejando o suicídio ou já tentou realiza-lo, lembre essa pessoa que, além de ser um pecado grave com consequências catastróficas, o Deus de toda consolação pode acalmar o coração mais ansioso (Fp 4.6-7) e atribulado (2 Co 1.1-6). Há esperança!


Que Deus nos guarde de julgar o destino de pessoas falecidas só por causa do modo pelo qual vieram a falecer. Um forte abraço!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Vários autores. Coleção Bioética: Suicídio e Eutanásia.  São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

NÚÑEZ, Miguel. Ao cometer suicídio o cristão perde a salvação? Disponível em: http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/633/Ao_Cometer_Suicidio_o_Cristao_Perde_a_Salvacao. Acessado dia 17/01/17.